
Decasp foi extinta por lei em 7 de novembro. Trabalho está sendo realizado por causa de liminar da Justiça. Uma das investigações prioritárias tem relação com 'máfia da merenda'.
Por Marina Meireles e Katherine Coutinho, G1 PE
Com 1,6 mil inquéritos no inventário, a Delegacia de Crimes contra a Administração e Serviços Públicos (Decasp), extinta em 7 de novembro por lei estadual, foi temporariamente reativada na segunda (19) por uma liminar da Justiça de Pernambuco, que determinou a manutenção os trabalhos por 45 dias. Nesse período, por causa da incerteza sobre o funcionamento do órgão, os profissionais buscam a conclusão de ao menos cinco investigações.
A decisão de extinguir a Decasp e substituí-la pelo Departamento de Repressão ao Crime Organizado (Draco) foi tomada pelo governo do estado, que enviou projeto de lei para a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) em caráter de urgência. Os deputados aprovaram a proposta por 30 votos contra 6, de um total de 49 parlamentares.
“Gera insegurança o fato de que a delegacia vai funcionar a título precário por 45 dias. Nesse período, a gente vai priorizar as investigações que estão mais avançadas, aquelas que têm o conjunto probatório mais robusto”, afirma a delegada da Decasp, Patrícia Domingos.
Entre os cinco casos priorizados, está a investigação da “máfia da merenda”, nome usado pela delegada para se referir às investigações de superfaturamento e de fornecimento irregular de refeições para escolas e creches de diversos municípios do estado.
A empresa Casa de Farinha, fornecedora de merenda para escolas de municípios como o Recife e o Cabo de Santo Agostinho, é o alvo das investigações. Somente da capital pernambucana, a empresa recebeu R$ 78 milhões desde 2014, para fornecer merenda a 328 escolas e creches municipais, segundo dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE).
“Esses inquéritos hoje estão tutelados pelo Gace [Grupo de Atuação Criminal Especial], que foi criado pelo Ministério Público. Com a manutenção da Decasp, nós trabalharemos em parceria com o MP para que seja dada uma conclusão célere e eficaz a essas investigações”, afirma Patrícia.
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Para finalizar os trabalhos da Decasp, delegada Patrícia Domingos fala sobre priorização de cinco investigações — Foto: Reprodução/TV Globo
"Acho que temos que começar a buscar oportunidades para reafirmar a parceria entre o MP e a Polícia Civil e procurar fazer dessa polêmica um combustível para mostrar que o combate à corrupção se faz em parceria e diuturnamente", diz Maviael de Souza Silva, coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Defesa do Patrimônio Público e Terceiro Setor do Ministério Público de Pernambuco.
Questionada a respeito da investigação de crimes envolvendo deputados estaduais e vereadores, a delegada informou que o trabalho ocorre sob sigilo, mas ressaltou que representantes públicos que cometam delitos são o alvo da delegacia.
“Como a Decasp investiga crimes contra a administração, os gestores da coisa pública são os investigados em maior quantidade na delegacia, então é comum que esse tipo de investigação que envolva agente políticos”, alega.
Opiniões divididas
Para substituir a Decasp, um projeto de lei do governador Paulo Câmara entregue à Assembleia Legislativa de Pernambuco propôs a criação do Draco, composto por cinco delegacias e o Grupo de Operações Especiais (GOE). Segundo o governo do estado, a previsão é que outras seis delegacias sejam criadas no estado em até quatro anos.
No dia 7 de novembro, em que a lei de criação do Draco foi sancionada, o subchefe da Polícia Civil de Pernambuco, Nehemias Falcão, afirmou que a corporação "não extinguiu nada" e, com a criação do departamento, reforçou o combate à corrupção no estado. A delegada Patrícia Domingos foi convidada para assumir a direção adjunta, mas recusou o convite.
"Eu me ofereci para trabalhar em um cargo menor, como investigadora, fazendo o que temos feito nesses anos de Decasp, mas eles recusaram. O que eles me ofereceram foi um cargo com funções administrativas", diz Patrícia.
Nomeada gestora do Draco, a delegada Sylvana Lellis afirmou ter convidado Patrícia Domingos para atuar no departamento. "Ela foi chamada para ser um agente multiplicador e podia, sim, investigar crimes, mas ela não quis", afirma.
Ainda segundo Sylvana, o Departamento vai ampliar o trabalho desenvolvido pela Decasp. "Só existia um braço para dar conta de 1,6 mil inquéritos. Agora, teremos mais. A gente quer um Pernambuco mais moralizado e queremos otimizar o trabalho que já era feito", declara.
Balanço
Em quatro anos de funcionamento, a Decasp foi responsável por 15 operações que resultaram em 49 presos, entre políticos e empresários envolvidos em esquemas de corrupção.
Um dos detidos foi o então prefeito de Catende, na Zona da Mata, Otacílio Cordeiro, suspeito de comandar um esquema de lavagem de dinheiro, desvio de verba e falsificação de documentos. Na época, a Polícia Civil encontrou R$ 758.437,00 na casa de Cordeiro e no prédio da prefeitura, na deflagração da Operação Tsunami.
Ao longo das investigações, foi realizada outra operação, dessa vez contra suspeitos de atrapalhar as investigações da Operação Tsunami. Na ocasião, foram presos o filho e o sobrinho de Otacílio Cordeiro, que acabou renunciando ao cargo.
Castelo de Farinha

Polícia faz operação para prender suspeitos de irregularidade em licitação de merenda
O inquérito apura coação a empresas que participariam de uma licitação de R$ 22 milhões para o fornecimento de merenda escolar em Ipojuca, vencida pela Casa de Farinha. O empresário Romero Fittipaldi Pontual Filho, um dos donos da Casa de Farinha, foi preso nessa operação, assim como uma funcionária e outro empresário, Nelson Nunes Canniza Neto.
Quatro dias após Pontual Filho se entregar à Polícia, o governador Paulo Câmara enviou o projeto de extinção da Decasp e criação do Draco à Assembleia Legislativa.
Segundo as investigações, os dois homens teriam coagido os representantes das empresas concorrentes da Casa de Farinha para que eles não participassem do leilão dos lotes.
No dia em que o contrato foi firmado, dois homens teriam provocado um acidente de trânsito para evitar que um empresário participasse da licitação de merenda escolar. Há também registro de ameaças e oferta de dinheiro a outras empresas.
Pouco antes da extinção da delegacia, o MPPE assumiu essa e outras duas denúncias de desvio de verba para merenda escolar envolvendo a empresa Casa de Farinha, no dia 30 de outubro.
Ghost

Operação policial cumpre mandados na Câmara dos Vereadores do Cabo, no Grande Recife
Cinco vereadores do Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife, foram alvo da Operação Ghost, que investiga desvios de dinheiro público em um esquema com seis contratados para cargos comissionados na Câmara Municipal. Segundo o inquérito, chega a R$ 1 milhão o valor desviado.
De acordo com a polícia, o dinheiro público era desviado através de um esquema que envolvia seis pessoas contratadas para cargos comissionados, que repassavam os salários para os vereadores e ficavam com uma parte do dinheiro, mesmo sem trabalhar efetivamente na Câmara Municipal.
Ratatouille

Investigação apura fraudes em contratos no Cabo de Santo Agostinho
Mais de R$ 113 milhões em contratos entre a prefeitura do Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife, e oito empresas privadas são investigados na Operação Ratatouille.
Entre as irregularidades apuradas pela Decasp na cidade, estão fraudes no fornecimento de merendas para escolas do município, superfaturamento de contratos e enriquecimento ilícito.
Denúncias da população ao MPPE sobre serviços que deveriam ser prestados no município e não foram, assim como bens ostentados por parentes do então prefeito Vado da Farmácia nas redes sociais, fizeram a polícia iniciar as investigações. Segundo os órgãos fiscalizadores, esses bens seriam incompatíveis com a renda e a declaração de bens do ex-prefeito.
Na época, a polícia apreendeu R$ 1,2 milhão na casa do ex-secretário executivo de Logística do Cabo, Paulino Valério da Silva Neto, que mantinha as cédulas em caixas de sapato, em dólares, euros, pesos e libras.
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